Resenha do Livro A Revolução dos Bichos - George Orwell

Faz 30 anos que o mundo começava a sair da dicotomia comunismo versus capitalismo. Faz trinta anos que o muro de Berlim caiu. Antes disso, por cerca de meio século, o mundo estava totalmente dividido em dois: os comunistas e os capitalistas. A propaganda norteamericana anticomunista fez com que a visão do bloco capitalista fosse simplista, apenas um modelo totalitário.

Era essa visão deturpada do comunismo que o George Orwell criticava. 

Autodenominado socialista, o autor discordava veementemente do socialismo pregado por autoritários, em especial do socialismo russo, que ele considerava ser totalmente contrário aos princípios comunistas.

Foi nesse contexto político que o autor escreveu A Revolução dos Bichos. Uma fábula que faz, por meio de alegorias, críticas duras ao regime da União Soviética.

Ficha Técnica

Autor: George Orwell
Editora: Secker and Warburg (Reino Unido) e Companhia das Letras (Brasil)
Ano: 1945 (Reino Unido) e 2007 (Brasil)
Gênero: Fábula
Tamanho: 152p

Contexto Histórico do Livro

Sim, eu sei que hoje no Brasil existe um grupo de pessoas considerável que acha que o mundo está sendo invadido pelo comunismo, porém no cenário mundial esta discussão já está encerrada pela maioria dos países desenvolvidos e democráticos (os que seus cidadãos têm discernimento para diferenciar uma notícia de um boato). Porém à época em que o livro foi lançado o mundo estava em plena guerra, tanto contra o comunismo quanto com o nazismo.

Como os EUA tinha a União Soviética como aliada, nenhuma palavra podia ser dita contra o regime russo àquela época. Por isso o livro do Orwell não teve a atenção que merecia e até hoje é proibido em muitos países. Porém, passada a II Guerra, a propaganda norteamericana - inclusive a CIA - passou a usar massivamente A Revolução dos Bichos como um manifesto contra o comunismo.

Se vivo, o autor teria tido uma ingrata surpresa - já que ele próprio se denominava comunista - em ver sua obra que visava mostrar ao mundo que as atrocidades cometidas pelos países autoritários (que se autoproclamaram comunistas) não eram comunismo e sim autoritarismo travestido. Teria mais dor ainda ao ver que outras obras suas escritas com o mesmo intuito estavam sendo amplamente usadas pelos EUA com o propósito de deturpar e acabar com aquilo que ele acreditava. 

A propaganda norteamericana foi comprada, à época. Hoje o mundo reavalia a obra do George como o grande pensador socialista que foi. E aos poucos a injustiça norteamericana vai sendo superada e o autor passa a ter sua obra analisada como queria. Uma crítica às formas autoritárias de comunismo que se tornavam tão injusta, ou mais, que o capitalismo mais hostil.

Achei estes resumos sobre a Revolução Russa, que acho, importante para o entendimento do que está escrito nas entrelinhas.

Personagens como sátiras

À época era clarividente o conteúdo sátiro dos personagens e da história em si. Mas hoje, com a maioria nascida no pós guerra fria, é importante relembra-los:

Velho Major: Karl Mar / Lênin

Bola de Neve: Trótski

Napoleão: Stalin

Garganta: Propaganda

Os outros personagens vão representar classes de pessoas, separadas por suas características físicas, políticas e intelectuais.

Vamos ao Livro

A fábula acontece na Fazendo do Solar onde um fazendeiro falido economicamente, e moralmente, trata muito mal seus animais.

Prevendo sua morte o porco mais velho chama a todos os animais para passar um segredo à frente. Fala de um sonho que os antepassados daqueles animais tinham. Uma sociedade livre e justa.

Naturalmente, pela superioridade e maus trados exercidos pelo ser humano este era o inimigo em comum. Era necessário libertar-se das mãos opressoras do homem para se construir uma sociedade justa e igualitária.

Assim o velho porco (Major) explica sobre este sonho e todos se maravilham com esse relance de liberdade. Poucos dias depois o porco ancião morre e todos começam a planejar a revolução, muito em memória do falecido, muito pelos maus tratos recebidos.

Enfim a revolução acontece e no animar da euforia Bola de Neve, um dos porcos que assumem a liderança da revolução, leva todos a verem os sete mandamentos contados pelo falecido porco e que agora estão escritos para que todos possam ver. A partir de agora estes serão os princípios que farão a vida dos animais mais justa e feliz.

Só que não.

A fazenda muda de nome para Fazenda dos Bichos, mas com o passar do tempo, passam a existir divergências entre os porcos (que lideram a fazenda por serem naturalmente, e reconhecidamente, mais inteligentes).

Napoleão, outro líder, com inveja do Bola de Neve e com sede de poder arma situações para que este seja visto como inimigo por todos e que assim consiga expulsa-lo da fazenda. 

Logo depois os porcos se dão alguns privilégios aos poucos, por exerceram a liderança. Por medo e por ignorância os animais aceitam.

Os animais da fazenda percebem leve melhora de vida e passam a aceitar mais facilmente as decisões dos porcos, afinal eles são inteligente e sabem o que estão fazendo.

Aos poucos os animais são forçados a trabalhar "pelo bem comum" e vão aceitando. Afinal essas mudanças não acontecem de uma hora para outra vão acontecendo aos poucos. Quase imperceptivelmente.

Ao final, percebem estarem vivendo sob julgo igual ao que viviam quando os humanos dirigiam a fazenda. Porém como os porcos detém o uso da força, dado pelos próprios animais (gradativamente), como também o poder da propaganda, por ignorância ou por medo aceitam.

Os porcos passam, cada vez mais, a se comportarem como humanos, e como os sete mandamentos foram feitos para que isso não seja permitido por nenhum dos animais (já que os humanos eram os inimigos da liberdade destes mesmos animais), sorrateiramente se modificam os mandamentos, ou se valem da propaganda, para passar a aceitar os novos comportamentos.

A maior parte dos animais nem lembra dos sete mandamentos originais, portanto aceitam felizes. Os que lembram duvidam se realmente lembram ou se estão confusos. Além disso, mesmo que não estivessem confusos, não podem fazer nada sozinhos, os porcos podem acabar com eles rapidamente.  Portanto, nada acontece.

O fim do livro é triste. Passado algum tempo, novas gerações de animais não sabem, ao menos, como era a direção humana e não tem poder de comparação com o a nova direção. Para estes, sempre foi assim, e não veem modos me melhorar.

As coisas vão mudando imperceptivelmente, mas - ao fim do livro - em uma cena memorável onde os porcos estão negociando com humanos de outras fazendas: é notado que no olhar do narrador não há diferença entre eles. 

"Os humanos estão como porcos e os porcos, como humanos." 

Os sete mandamentos que inicialmente eram:

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro patas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais.

Passam a ser:

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo. (não foi mudado, mas o Napoleão usou de propaganda para convencer os animais que os porcos poderiam andar de duas pernas)
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro patas, ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas. (os porcos passaram a poder usar roupas)
4. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis.
5. Nenhum animal beberá álcool em excesso.
6. Nenhum animal matará outro animal sem motivo.
7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

Frases marcantes

"Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros."

"As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco."

Conclusão 

Citei este livro como um dos cinco para se ler antes de morrer. É eternamente atual e libertador. Principalmente quando se lê com o olhar político, que deve ser profundo.

O livro não se aplica, apenas, a governos autoritários. É uma reflexão pulsante até em regimes democráticos, pois muito da sátira podemos reconhecer, mesmo nós que vivemos em plena democracia.

A destreza com que o autor satiriza a situação soviética, com seus principais personagens representando e clarificando tudo o que era vivido à época é coisa de analista político de primeira linha. Nem mesmo após tantos anos encontramos tanta claridade e sofisticação entre os cientista políticos.

Ademais a leitura é muito mais simples que uma análise política, é importante lembrar que as fábulas não eram mais populares quando o livro foi publicado. Portando a intenção do autor foi realmente de facilitar o entendimento. Tão fácil ficou, que não era possível desvincular o livro dos personagens da Revolução Russa, para os contemporâneos.

Mostra como não adianta grandes mudanças esplendorosas. Como mudanças pequenas são mais efetivas a longo prazo. Que, naturalmente, o indivíduo tende a querer o bem próprio e que os mais inteligentes conseguirão. Que o acesso à lei basilar (para nós a constituição), é muito importante e que suas modificações podem ser camufladas de interesse da sociedade, mas muitas vezes são para o bem próprio.

Resta-me dizer que este livro precisa fazer parte da sua leitura frequente. Não apenas leia-o como também releia-o diversas vezes. Verás que a cada leitura algo novo se revela.

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É pelos comentários que faremos novas resenhas.

À plus tard,